sábado, 25 de dezembro de 2010

Tempos

Mesmo que não haja tempo
ou resto de vida
Se não houver um relógio que me prenda
Ou um calendário que me envelheça
Meu tempo é a eternidade refletida no meu amanhã.

The playing Claude Renoir
Pierre-Auguste Renoir



Carolina Morais

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sandália de Pedra

Ela se sentia triste como Natal.Os presentes não eram para Ele. Havia briga, havia dívidas e gula.
O Natal era o tempo de ter um papai noel pendurado em algum lugar que se parecesse com uma chaminé.
Ela não tinha chaminé, ela nunca vira a neve. Ela não sabia que trenós carregavam gente. Ou lixo.
Ela sonhava sonhos de pisca-pisca. E nuvens douradas banhavam seu céu vermelho escarlate.
O Natal é um dia triste. Mesmo com todos ela se sente sozinha. E vazia.
Seu sapatinho virou uma sandália de pedra. E uma ciranda foi dançada até o amanhecer.

Carolina Morais

Coldplay - Christmas Lights

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Cutícula

A cutícula despregava-se do resto da carne fina da unha.
Isso doía-lhe muito, como um parto. Se tivesse útero sentiria a mesma dor. Talvez mais.
Aquele pedaço de carne estava dando-lhe nos nervos. Arrancar com os dentes já não lhe parecia a melhor opção. O sangue claro escorria-lhe por dentre os dedos. Tudo por um pedaço de carne morta.
Ele estava vivo, e sentia cada pedacinho da carne incômoda puxar-lhe o dedo indicador. Não havia mais caminhos. Aquilo era simplesmente perturbador. Resolveu ler um livro e ver se sentia dores maiores.
Esqueceu-se do dedo já podre. Esquecera da alma envelhecida pelo tempo.
Ele era só. Tão sozinho como sua biblioteca pessoal.

Carolina Morais

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Travesseiro

Ele fechou os olhos.
Encostou a cabeça pesada e velha no travesseiro, morada de ácaros e outros bichos.
Abriu a boca. Estava cansado e febril.
A chuva chutava sua janela. Devagar.
Tudo molhava em azul anil.
Seus sonhos dormiram junto de seus cães no quintal.
Era dia. Ainda.

Carolina Morais

sábado, 18 de dezembro de 2010

Strawberries

Um gosto diferente na boca.
Um tempero que adocica a vida breve.
Fugindo de pesadelos distantes.
O meu céu chora uma chuva fina
O meu chão dorme um sono de paz
E o que resta é um pouco do meu azedume


Carolina Morais

E que a vida nos leve para onde o céu beija o mar. E o que é  a vida senão um grande beijo? 

Coldplay - Strawberry Swing


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Acordar

Pablo Picasso, Girl in a Chemise circa 1905
Ela abriu os olhos devagar. Não havia tanta luz. Sentiu um frio percorrer os braços que se encontravam fora do edredon marrom. Sorriu um sorriso amargo de manhã-de-sempre. Pelo menos sorriu. Esperou um minuto. Talvez em sessenta segundos o calor do único feixe de luz que invadia o quarto por uma brecha da cortina lilás queimasse sua pele alva.
O calor não aconteceu. Pôs o pé no chão sujo e frio. Abria e fechava os olhos na esperança de aquilo tudo ser um sonho. Sonhou com um amanhã parecido com um passado distante. Acordou com um hoje repleto de responsabilidades e de cores frias e solitárias. Recolheu os pés. Cobriu-se com o edredon e percebera que era apenas mais um domingo...novamente.

Carolina Desmondier

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Partida

Quase não dormi de ontem para hoje. Muitas coisas para arrumar. Fazer, desfazer e refazer as malas é tarefa difícil. A ansiedade tomava conta de mim, como toma agora, nesse momento.
Estou partindo...estou deixando Athens,GA. Morei aqui por 5 meses...ora parece que foram 5 anos, ora parecem que foram 5 dias. A impressão maior é que cheguei ontem. E parece que foi ontem mesmo que estávamos entrando no nosso apartamento no The Reserve at Athens, vazio, sem nada. Apenas os móveis.
Eu demorei para ter esse lugar como "lar". Eu me senti uma hóspede. Eu me sentia visita dentro da própria casa em que pagava o aluguel, contas de energia, água, cabo.
Eu não me sentia em casa. Aos poucos, um ambiente familiar se formava ali para mim. Desde o princípio eu tive uma família formada por uma só pessoa, Camila. E, aos poucos a família foi crescendo e fiz muitos amigos por lá. Eu senti medo, eu me senti sozinha. Eu senti tudo isso e muita alegria. O meu primeiro pensamento ao sair do aeroporto foi "eu consegui". E, sonhar vale a pena. Parafraseando JJ, "os nossos sonhos são feitos de coisas reais". O meu desejo era real, e o meu sonho alimentou meu desejo.
Ontem, ao arrumar minhas malas e ver o quarto quase vazio, tal qual como cheguei me fez chorar. "Esse meu sonho está acabando", pensei eu. E chorei. Derramei lágrimas verdadeiras. Senti uma angústia tão grande. Foi a primeira vez que eu fiz morada fora de casa. Foi a primeira vez de muitas coisas que fiz em minha vida. Foi um grito de liberdade, ou melhor, de responsabilidade. Foi a experiência mais significativa que tive até agora.
Não foi uma viagem qualquer. Nao foi uma viagem. Foi uma experiência de vida. Eu vou sentir saudade de cada segundo vivido aqui. Ao “esvaziar”o quarto, Camila entrou nele e disse com uma voz triste: “nossa, tá fazendo eco”. A saudade ecoa também dentro de mim e sinto que estou deixando uma parte de mim nessa cidade. Eu vou passar mais um mês no país, mas vamos apenas passear. Estamos de férias. Eu sentirei saudade da casa que chamei de home.
Por algum tempo eu esqueci um pouco da minha vida em Fortaleza. Por um momento eu estive tão imersa em toda a minha experiência em Athens, que eu esqueci da minha vida em Fortaleza. Por um momento eu esqueci de Fortaleza, e parecia que eu morava aqui por toda a minha vida.
Das tristezas que tive aqui, apenas a saudade da minha família e dos amigos. Esses sim cortaram o meu coração. Principalmente da família, que sempre está com a gente. Eu percebi isso depois que saí de casa. O suporte que a família te dá não precisa ser através de palavras ou gestos. O “estar” é o mais importante de tudo.
Durante esse tempo eu cresci. Eu cresci e amadureci. Sou a mesma menina, com os mesmos sonhos, a diferença é que eles estão maiores e meus voos também estão mais altos. Eu mudei. Eu paguei contas, eu trabalhei para que eu conseguisse pagar as contas. Eu fiz feira, eu cozinhei...Eu cuidei de mim mesma, sozinha. Eu aprendi a ser mais flexível, eu aprendi a não julgar. Eu fiz amizades verdadeiras, eu aproveitei tudo que eu poderia ter aproveitado. Eu curti, eu chorei, eu sorri. Eu aprendi, eu estudei. Eu descobri um universo novo e isso eu vou levar para mim pelo resto dos meus dias.
Eu aprendi que as coisas não são para sempre. E essa é talvez a pior parte. Eu aprendi que a vida é feita de escolhas, e que você é a única pessoa quem poderá fazê-las. Eu descobri também que se algo não der certo, a gente sempre tem um outro caminho. E que a felicidade sempre acena para a gente, e que a gente é que tem o poder de correr atrás dela.
          Eu aprendi que o amor dos teus pais é a coisa mais forte que você pode sentir. E que eles são as pessoas que mais te amam no mundo. Eu percebi que o amor da sua irmã é mais que amor, mas é cumplicidade também. Senti falta de ter minha irmã pelo menos no quarto ao lado, por perto.
          Eu aprendi que você faz amigos. Muitos. E que você não precisa esperar nada em troca. Eles te amam e te fortalecem sempre.
          Ao olhar para trás, eu vejo que eu continuo olhando para frente. E, hoje, eu vi o que era sentir saudades de verdade. Eu estou deixando meu lar, e vi que a saudade maior está lá nas minhas raízes, com minha família. Eu sinto saudade do que eu chamo de “lar”desde que eu nasci.
          A vida é feita de escolhas, e nossas escolhas movem a gente para a direção que a gente deseja seguir. Hoje eu chorei, dizendo para mim mesma que “o sonho que eu vivi aqui acabou”. Sim, acabou...de começar.

Carolina Morais