segunda-feira, 9 de julho de 2012

Pássaro Quintana

Pássaro e Onda (1958), de Ger Lataster
E se um passarinho esbarrar em tua casa ao longo do caminho
Abra as portas e janelas
E faça com ele um ninho

Carolina Morais

segunda-feira, 5 de março de 2012

Minha

ANURAAGA, Fulay. Sleeping Woman.
Abri os olhos tão rapidamente que quase não notei que havia acordado de um sono tão inquieto. O barulhinho bom que surgia do teu peito me fez querer dormir mais um pedacinho. Alguns poucos raios de sol batiam em minha fronte com um leve ar de maresia e de alga salgada. Senti os punhos contraídos e minhas pernas envolveram-se nas tuas novamente. A cama denunciava nossos corpos moldados, cansados e belos. O teu cheiro já não era de todo teu e eu me envolvia a cada brisa macia que despenteava teus cabelos emaranhados. Senti-me sozinha por não ter comigo teu olhar penetrante, falando-me verdades inventadas por nós. Capítulos de promessas que se escondem em diários secretos guardados a um palmo de teu ventre doce. Meus seios ardiam em chamas frias e lentas como as primeiras horas dessa manhã morna. Fiquei ali te olhando por alguns longos e poucos minutos. Tu dormias um sono suave e eu te beijei com a minha melhor boca de preguiça e de amor de mulher. Deixa o dia amanhecer lá fora. Aqui dentro a manhã é de raios finos como tua cintura delgada.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Meu

FEATHERED Hat Studios, Man Sleeping on couch. Philadelphia, PA.
A caminho de casa vejo pernas, braços e colos nus que sorriem para mim em um tom ébrio de desejo e de fé, completamente imerso em uma boca da noite derradeira, após um longo dia de trabalho. O som dos carros deixam-me com sede de paz e de som de água batendo na rocha (ou em tuas costas largas). Tenho vontade de jogar fora tudo aquilo que me faz humano demais. Sou, de todo, animal. Corro, uivo, devoro com olhos gulosos o reflexo do sol que bate no chão laminado, tremulando a cada buraco solto na rua repleta de mormaço e da dor de pedreiros solitários andarilhos em um deserto urbano. O suor escorre pelo meu peito coberto e eu sinto algumas poucas gotículas salgadas percorrerem vagarosamente meus poros dilatados pelo calor tropical dessa cidade chamada lugar algum. Fumo um cigarro e sinto o vapor doce inundando-me por dentro. Os pulmões gelam-se com o frescor momentâneo da menta e sinto-me frio novamente. Chego em casa com ares de caminhos percorridos em estradas mortas. Vejo você dormindo no sofá, belo, e junto meu suor ao teu. Estamos, novamente, em nosso deserto particular. Neste lugar, o suor é troféu e eu não fumo cigarros mentolados.

Carolina Desmondier

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Teu

JENNER, Ca. Sleeping couple.
Por cima do teu corpo nu derramo olhares apaixonados. Sinto o sono da embriaguez do teu beijo no ato, te faço morada por minutos vãos. Teus dentes pressionam os lábios pequenos e inundam de amor os vários pensamentos desorganizados em minha cabeça ocupada. Meus dedos penteiam teus longos cabelos rubros como a madrugada. Dentro do quarto frio sinto o quente ar que percorre tuas curvas por entre pernas e joelhos cansados. Encantam-me os olhos que quase se fecham, incomodados pela luz da única, fraca e última vela apoiada na escrivaninha no canto esquerdo do quarto. Tua cabeça afundando o travesseiro indica o início de um fim do que eu houvera começado com um beijo. Chove uma chuva que sorri para sapos ao redor de poças no meio-fio. Tuas maçãs brilham e convidam meu corpo ao pecado de uma mordida. Desejo comer a fruta por inteiro. A noite se mostra ainda mais cansada e os pingos de chuva anunciam a chegada do dia que insiste em fechar meus olhos marejados. Adormeço embalado pelos teus olhos cansados, abrindo-se, preguiçosamente, como o sol. Durmo um sono de cheiro doce e de satisfação.  O suor inunda a cama repleta de lençóis amassados por apenas dois de nós.


Carolina Desmondier

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Tua

PASCIN, Jules. Sleeping Woman.
Debaixo dos lençóis amassados ouço um ruído que vem do teu coração. Teu peito exala perfumes humanos e eu acordo com a leve brisa que sai de tua boca entreaberta. Repouso a mão em teu peito dançante e peso quilos em teu corpo cansado do prazer da noite. Te faço colchão, travesseiro, almofada. Afago teus braços cansados e beijo tua face macia. Fixo o olhar em tuas pálpebras cemicerradas. Sou Morfeu e meu pai Hipnos deixa-me penetrar em teus sonhos mais profundos. Zelo teu sono estando submersa em cada cena doida narrada em tua cabeça agora vazia. Descanso no véu no tempo sem sol. A juventude da manhã embriaga-me de ar e de um sol que apresenta preguiça em sair. Chove uma chuva que sorri para as flores encharcadas em pudor e mel. Teus ouvidos recebem uma oneira canção de amor dos meus lábios ressecados. Adormeço antes que nasça o dia e tuas pálpebras cansadas abrem-se como feixes de luz que não mais consigo ver. Durmo ao som da manhã e tu acordas embalado pelo silêncio de meu sono cansado.

Carolina Morais

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Folhas secas

Enterrei suas cinzas embaixo da terra seca que matava meu jardim. Aos poucos colhi os frutos podres do que era teu em morte debaixo da terra já morta. Tudo que um dia foi verde ressecou. E eu passei a achar o marrom a cor mais bonita das estações. Pintei um quadro com as cores do céu e me perdi em um voo de um beija-flor embriagado de amor e de fome. O que se sente é a necessidade de não se morrer num tempo chamado sempre. O que se tem no momento é o verde e curto período do que chamamos viver agora. Nem todos os espinhos machucam tanto quanto flores suculentas que empolam a pele fina da menina que abraça ramalhetes inteiros. O inverno se aproxima e com ele vão-se as folhas secas para sacos pretos, fora da paisagem do quadro que outrora pintei em sonhos vãos.

Carolina Desmondier

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Aquário

A areia que roçava minhas pálpebras cansadas causou-me uma sensação de desconforto que nunca havia sentido igual. Nesses quase poucos trinta anos levantei-me da cama de bambu como o sol que nasce: vagarosamente e com preguiça de me mostrar ao mundo. A casa de praia foi opção minha. A casa de praia era de praia porque o único lugar que considerava lar era perto do oceano. Longe dali eu não tinha maresia e isso me fazia uma falta danada.
Dei adeus às gravatas que me apertavam o pescoço. Às vezes evitava falar, pois a saliva que corria entre a a garganta incomodava, fazendo meu gogó pressionar o nó mal-feito da gravata suja e única.
Não suportava mais almoçar comida congelada. Talvez por isso joguei meu micro-ondas fora. Aquela máquina era curiosa e deixava tudo com gosto de borracha. Eu, definitivamente, não gosto de borracha.
Decidi comprar uma casa de praia no dia em que tive de assinar uns papeis a contragosto. A empresa precisava de alguém para responder por certas falhas e eu fui esse alguém. Ao andar na praia trajando as roupas de palhaço daquele circo maldito, encontrei uma concha e repousei-a sobre meu ouvido esquerdo. Ouvi o barulho do mar e senti-me calmo e leve. Decidi: uma casa de praia.
Larguei tudo e vim morar aqui. Hoje sou um pouco do que achei que seria se fosse feliz. Eu vivo com o que tenho e larguei os papéis pelas massagens e miçangas. Minha vida tornou-se uma vida. Agora vivida com prazer de comer peixe frito e dormir com a espuma das ondas velando meu sono.
Se sou feliz? -Ainda não sei. A única certeza que tenho é que eu não era feliz. Hoje vivo fora daquele aquário e sei que aqui fora os peixes são bem menores e mais coloridos do que imaginava!


Carolina Morais

HD Vladstudio Widescreen Pack.01 : Line Drawing Characters :1920*1200 

Lovely Line Drawing Cartoon Characters

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Uma noite para contar estrelas

GOGH, Vincent Van. Starry Night over the Rhone 
1888 (160 Kb); 72.5 x 92 cm   
Mia chegou em casa cansada após um dia de exaustivo trabalho. Tirou os sapatos azuis que lhe apertavam os pés pequenos e continuou andando nas suas pontas, calculando alguns centímetros quebrados no trajeto planejado. O assoalho estava frio como a noite que nascia do lado de fora do apartamento antigo da moça, que só sonhava em contar estrelas. Dentro da cozinha perfeita, Mia estava cheia de fome. Pegou uma cebola descascada da geladeira e comeu-a como quem come uma maçã caramelada. Mia gostava de sentir o gosto forte da cebola em sua boca, lembrava-lhe que, por muitas vezes era necessário calar e guardar o dissabor de palavras duras para si mesma. Continuou andando pela casa, cada vez mais tirava uma peça de roupa que lhe lembrava a vida lá de fora. Apressou-se em vestir um roupão de veludo vermelho para cobrir a pele já desnuda. Não foi pudor, foi frio. Lavou as mãos e ligou a televisão. Deixou a tv sintonizada na novela para ter a impressão de que a casa estava repleta de gente vazia.
Tomou um copo de vinho e adormeceu de frente para a grande janela de vidro que ficava na sala. Mia havia adormecido contando estrelas e não havia nada mais mágico do que o céu daquela noite que nascia.

Carolina Morais

sábado, 7 de janeiro de 2012

             Se o Tempo é rei...                     
                                           hoje sei que não sou da realeza!



Carolina Morais
Nischenraum im Palast des Sultans von Meknes; DELACROIX, Eugene

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A Maravilha da Noite

Feeding the Rabbits. Alice in Wonderland circa 1904,Morgan, Frederick
A noite vazia derrama pensamentos vãos em meu colchão.
Vai-se embora o vento frio do fim-de-noite e tudo estremece.
Pelo grito abafado de uma múmia velha e oca
Minha paz interior sussura para mim:

"Quer chá?"

Assombro-me com meus pensamentos (doidos?)
e amasso cogumelos no chão do quarto escuro.
Ao longe vejo o correr da pena ainda quente e
vagarosamente
gotículas de tinta borram todo o escrito de uma noite inteira.

Ouço pássaros em minha janela e
acho que está amanhecendo algum dia por aí,
mas estou cansada demais para abrir as cortinas por trás das vidraças sujas.
Limpo os farelos de biscoito e de bolo de limão
Estou agora pequena demais e não paro de cair
                                                                  cair
                                                                  cair

Carolina Morais